O peso da doença está distribuído de forma desproporcionada por todo o mundo. Um dos factores que contribuem diretamente para esta assimetria é a malária – mais de 200 milhões de novas infecções e 400 mil mortes continuam a ocorrer todos os anos. Apesar deste fardo inaceitavelmente elevado em termos de saúde, económicos e sociais, os factores que ditam o início da doença grave e o resultado da infeção continuam a ser mal compreendidos, o que prejudica significativamente o combate a esta doença mortal.
O nosso objetivo geral tem sido e continuará a ser a elucidação das questões mais fundamentais e concetualmente inovadoras das interacções hospedeiro-Plasmodium.
Em trabalhos anteriores, desafiámos o pressuposto generalizado de que o Plasmodium pode infetar e replicar-se no interior dos hepatócitos sem ser detectado, mostrando que o Plasmodium ativa uma resposta IFN de tipo I no fígado (Liehl et al., 2014. Nature Medicine). Na verdade, o trabalho do nosso laboratório mostra que o Plasmodium em fase hepática requer interacções activas com a maquinaria celular do hospedeiro para evitar a eliminação. Identificámos duas proteínas residentes na membrana do vacúolo parasitóforo (PVM) do Plasmodium que actuam para garantir a sobrevivência do parasita: bloqueando a autofagia das células infectadas (Real et al. 2018. Nature Microbiology) e através da interação com a actina da célula hospedeira, afectando a sua polimerização e eluindo as estruturas de actina utilizadas como parte das defesas citosólicas do hospedeiro (M’Bana et al. 2022. iScience).
Também identificámos um fator do hospedeiro que medeia o efeito antagónico de uma das fases do parasita sobre a outra (Portugal et al., 2011. Nature Medicine). Essa descoberta abriu caminho para elucidar como o Plasmodium regula os níveis de ferro para sobreviver (Slavic et al., 2016. Nature Communications) e introduziu o conceito de que a disponibilidade de nutrientes e os hábitos alimentares têm um forte impacto no estabelecimento e no curso de uma infeção por malária, interferindo nas vias do hospedeiro e do parasita durante diferentes estágios da infeção (Mancio-Silva et al., 2017. Nature; Zuzarte-Luis et al., 2017. Nature Microbiology; Marreiros et al, 2023. Communications Biology).
O nosso trabalho recente indica que a teia de interacções entre o hospedeiro e o Plasmodium é, de facto, densamente tecida, com a fase hepática e a fase sanguínea a interagirem no sentido da patologia e da gravidade da doença (Chora et al., 2023. Immunity). Além disso, identificámos uma terceira parte que determina a doença – a microbiota do hospedeiro (Mukherjee et al., 2022. Nature Communications).
Continuamos também a perseguir uma questão permanente – O que é que o fígado tem de tão especial? O nosso trabalho recente forneceu um perfil genético unicelular abrangente de hepatócitos e parasitas em fígados infectados ao longo do tempo (Afriat et al., 2022. Nature), enriquecendo o nosso conhecimento sobre a malária na fase hepática. Além disso, os nossos dados actuais mostram que o metabolismo especial do fígado é a chave para modular a capacidade das espécies de Plasmodium que infectam os mamíferos e atingem taxas extraordinárias de replicação para gerar dezenas de milhares de merozoítos infecciosos nos eritrócitos. Estas observações abriram uma nova e excitante linha de investigação destinada a revelar as consequências da elevada taxa de replicação e o impacto no resultado da infeção e na progressão da doença.